
Catador de Papel
Augusta Schimidt
Pela cidade toda
Dia e noite sem parar
Lá vai ele catando papel
Pra poder se alimentar...
Na sua lida diária
Encontra a sorte e a morte
Numa disputa cruel
E sem saber quem vai ganhar
Trabalha
Pra poder se alimentar...
E quando a morte perde pra sorte
Ele levanta os olhos ao céu
Agradece,
Faz sua prece
E retorna para a triste paisagem
Com a vida que leva
E que já virou arte.
Papel e pobreza
Perigo e esperteza
Fazem parte da rotina
Do catador de papel
Sem descanso e ilusão
Segue em frente
Torcendo pra que a sorte
Continue vencendo a morte
Pois precisa trabalhar
Pra poder se alimentar...
Campinas/10/11/06
00.23h
**********************************
O CATADOR DE LIXO
Bernardino Matos.
Não faz muito tempo, nos centros urbanos,
uma cena inusitada, o trânsito atrapalhava,
um burro puxava uma carroça, não humanos,
a família, mantimento, sementes, transportava.
Atrás, amarrado numa corda, um cão seguia,
era um transporte coletivo, emergente, barato,
esse acontecimento fazia parte do dia a dia,
cada um usava seus meios, sem aparato.
Hoje, com a evolução, surgiu a reciclagem,
existe a reciclagem do papelão e do plástico,
o lixo se tornou matéria prima, com vantagem,
o meio de apanhá-lo é que se tornou drástico.
No lugar do burro, ou do jumento, um humano,
a fonte de produção é o lixo dos edifícios,
surgiu uma nova profissão, o cata lixo urbano,
ele puxa uma carroça e recolhe os desperdícios.
Ele abre as lixeiras dos edifícios seleciona, classifica,
o lixo, de acordo com o que vai ser o produto final,
se papel, papelão, caixa de embalagem, especifica,
separa as garrafas de plásticos, de vidro, o escambau;
Encontra também restos de comida, cuja qualidade,
varia, de acordo com o poder aquisitivo dos residentes,
um pedaço de frango, um osso recheado, variedade.
os semblantes são amargos, mas corajosos, valentes.
Enfrentam essa podridão sem luvas, sem proteção,
descalços, famintos, suados, ansiosos, revoltados,
ganham vinte centavos por quilo, uma exploração,
vemos homens substituindo animais, desolados.
Numa classificação de cargos e salários, de fato,
ele é enquadrado como um catador de lixo, formal,
realmente, porém, vemos um ser humano caricato,
no mais baixo nível, num padrão inferior ao animal.
As fábricas que reciclam o lixo são empresas modernas,
a matéria-prima que é utilizada no processo de produção,
representa um avanço da tecnologia, explorando pernas.
cansadas, mentes confusas, seres que nem humanos são.
Estamos, aqui, na internet, trocando idéias, conhecimentos,
utilizando uma tecnologia avançada, deveras gratificante,
temos um intercâmbio fantástico, verdadeiros lenimentos,
eu me sinto muito feliz com os amigos, muito edificante.
Mas quando passo por um catador de lixo sinto amargura,
a distância é muito grande, a defasagem é degradante,
são seres humanos, como nós, precisam também de ternura,
voltam para casa cansados, com os pés esfolados, revoltante.
Até quando iremos assistir essa degradante distância social,
como podemos conviver com um congresso tão alienado,
com salários altos, moradias e viagens pagas e sem moral,
colocamos frente a frente o cata-lixo e o cata-voto, deputado.
Eu sempre nunca entendi, perfeitamente, a existência do mal,
qual a culpa que tem uma criança para nascer retardada,
deformada, aleijada, condenada à morte, numa situação fatal,
e porque criminosos, traficantes, políticos, levam uma vida abastada?
Esses seres que sofreram tais penalidades, em nenhum momento,
usaram o livre arbítrio, nunca tiveram o direito de fazer uma opção,
não pode ser conseqüência do pecado original, aceito, mas lamento,
algum desígnio, algum objetivo, Deus espera nossa compreensão.
Nossa única saída é procurarmos aliviar as dores dos desafortunados,
é sofrermos juntos, distribuirmos ternura, carinho, amor, gratidão,
que formemos esse grupo atuante, unidos, deveras integrados,
conscientes do nossas responsabilidades, da nossa missão.
Ontem, ao ir para o trabalho, assisti uma cena impressionante,
um cidadão distribuía nos sinais roupas, calçados, brinquedos, pães.
e um grupo expressivo de crianças e adultos, num estado degradante,
disputavam aquela esmola, avançavam contra o carro, feito cães.
O que o doador fez foi gratificante, fazia o que podia, em sua condição,
e eu me pus a repassar minhas angústias, minhas aflições pequenas,
meu inócuo descontentamento, e me considerei um pobre de emoção,
acelerei o carro, com vontade de voar, para não mais ver aquelas cenas.
Procurei me situar melhor e agradeci a Deus pelo espaço que me deu,
por trilhar um caminho menos tortuoso, por ser tratado como gente,
por poder sonhar, sorrir, por receber afetos, por seu um filho seu,
e senti vergonha desse país, que a uma parte de irmãos é indiferente.
Sejamos catadores de solidariedade, de caridade, de amor desprendido,
para aliviarmos o sofrimento e o desengano dos catadores de lixo,
reciclemos nossas emoções, tornemos nosso caminho menos sofrido,
que podermos portar com orgulho, se for o caso, um belo crucifixo.
Fortaleza, 11 de novembro de 2006